Em tempos de redes sociais, uma verdade desconfortável se impõe: conteúdos negativos, agressivos e polêmicos tendem a receber mais atenção do que aqueles que promovem empatia, solidariedade ou amor. Mas por que isso acontece?
O psicólogo e psicanalista Rafael Schieber oferece uma resposta profunda e provocativa em seu artigo “A Cólera nos Tempos Sem Amor”. Através de uma análise que mistura psicanálise, comunicação e estudos sociais, ele revela como o ódio se tornou um “produto” lucrativo dentro das plataformas digitais.
Schieber explica que o engajamento gerado por conteúdos negativos é altamente valorizado pelos algoritmos. “Hoje, o ódio se consolidou como vetor identitário e político no mundo contemporâneo”, afirma.
Estudos apontam que sentimentos como raiva ou indignação são os que mais geram compartilhamentos e comentários. Isso se encaixa perfeitamente na lógica das redes, onde mais cliques significam mais lucro — mesmo que isso custe a saúde emocional dos usuários e o tecido social.
“Essa constatação não é neutra: insere-se em um modelo de negócios em que o engajamento do usuário — independentemente da qualidade ética do conteúdo — é convertido em lucro.”
Um exemplo concreto é o escândalo dos Facebook Papers, que revelou que a empresa tinha plena ciência dos efeitos tóxicos de seus algoritmos, mas preferiu manter as diretrizes para não comprometer suas receitas.
O artigo também destaca que a viralização do ódio não é apenas uma falha das redes — é um reflexo de mecanismos humanos antigos.
Na visão da psicanálise, a criação de inimigos é uma forma clássica de formar grupos sociais. “A constituição do ‘nós’ depende, em muitos casos, da exclusão e da projeção de pulsões hostis em um ‘outro’”, escreve Schieber.
Isso ajuda a entender o apelo dos discursos de ódio, linchamentos morais e polarizações digitais. Eles oferecem identidade, pertencimento e uma falsa sensação de “missão”.
Outro ponto abordado no texto é a crescente frieza emocional nas interações sociais. Em uma cultura hipercompetitiva, ser afetuoso virou sinônimo de fraqueza.
“A naturalização da hostilidade no espaço público está relacionada à retração dos afetos positivos como o cuidado, a empatia e a escuta.”
Para Schieber, essa frieza pode ser entendida como uma defesa narcísica — uma forma de proteger o ego em uma era marcada pela hiperexposição e pela performance constante.
Apesar do cenário preocupante, o artigo propõe caminhos reais de enfrentamento à economia do ódio. Ele cita três experiências concretas:
- Na Alemanha, o Twitter lançou a campanha Courage Against Hate para combater discursos neonazistas.
- Em Ruanda, após o genocídio de 1994, a justiça restaurativa permitiu que vítimas e agressores reconstruíssem os laços sociais.
- Na Somália, o influenciador Jérôme Jarre criou a campanha Love Army, mobilizando milhões de pessoas para ajudar famílias em situação de fome.
Esses casos mostram que as redes sociais também podem servir ao bem comum — quando há intenção ética e estética na comunicação.
Na conclusão do artigo, Rafael Schieber propõe uma inversão radical:
“O ódio tornou-se não apenas tolerado, mas estimulado por arquiteturas algorítmicas e dinâmicas sociais que recompensam a agressividade.
O amor — compreendido aqui como disposição ética para o reconhecimento do outro — aparece, paradoxalmente, como resistência.”
E completa:
“Mais do que discursos otimistas, é preciso práticas estruturadas que reinstalem o desejo como eixo da convivência e o amor como horizonte político.”
Para ler o artigo completo
Você pode acessar o texto integral de Rafael Schieber no LinkedIn dele clicando aqui ou acompanhar seu trabalho no Instagram: @schieberpsi